Por vezes custa sair da cama, não por estar frio ou por se ter sono, apenas porque não temos força, energia, vontade.. "Para quê?" pensamos.. "Estou farto, cansado.."
O nosso caminho nem sempre é fácil e por vezes é mesmo muito difícil, contudo é aquele que escolhemos (curiosa esta palavra.. caso não acrescente mais nada não é possível saber se me estou a referir ao presente ou ao passado.. talvez a ambos neste caso..) seguir e apesar de nos parecerem frases "cliché" o que é facto é que "O que não nos mata torna-nos mais fortes" funciona mesmo! ;)
Há dias em que é uma vitória ter dado uns quantos passos para trás e mantermo-nos em pé.. ou pelo menos dispostos a continuar..
É que a pancada às vezes é mesmo muito forte..
Este tema faz-me lembrar um dos poemas mais bonitos que conheço e que penso que vem a propósito ..
"Cântico Negro"
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e segurosDe que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços, E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém. -
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'
3 comentários:
Se soubesses o QUANTO adoro esse poema... Os últimos versos sei de cor, porque é lindddooo!
Portalegre "emana" a José Régio, que apesar de não ter nascido lá, viveu ali a maioria da sua vida!! Esta zona, esta cidade inspirou a alma deste escritor, que sempre o deixou bem patente nos poemas que escreveu...
Este poema é realmente transmissor de uma energia e força, de uma garra... tem um especial poder de, fazer sair das profundezas mais profundas do nosso ser, uma tal vontade de o ler em voz alta e... declamar, mesmo sem nunca o termos feito, mas sim, sentir a raiva da decisão!! É LINDDOO!!
Isabel: Tens razão, é realmente um poema magnífico e dos meus preferidos, claro!
Gosto de ler poesia em voz alta e qd o faço fico sempre c a sensaçao de q lhe dei um pouco de mim tb.. como o actor q veste a personagem e a encarna sabes?
Beijitos!
É realmente um grande poema, no entanto se queremos acreditar nele, senti-lo e torná-lo nosso, temos também que saber que para ser livre, livre da forma como José Régio diz ser, é preciso ser louco ("eu tenho a minha loucura"), e ser louco não é cometer loucuras de vez em quando. Eu sinceramente ainda estou demasiado ligada a um conjunto de conhecimentos (que me foram involuntariamente impostos durante o meu crescimnto)que me impedem de deliberadamente ser louca. Se um dia o for, tenho a certeza que já não terei consciência de o ser. Por isso, até lá (se lá chegar) continuarei a sentir que por vezes custa-me sair da cama. E que sim, por vezes não há sequer razão para continuar.
E quanto à máxima: "o que não nos mata torna-nos mais fortes" acrescentaria: e mais insensíveis. Com tudo o que isso traga de bom e de mau.
Mas semdúvida que é um poema cheio de força. Bem escolhido ;)
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